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terça-feira, 29 de abril de 2014

Direito a propriedade: Algo pertencente à condição humana

O trabalho que propomos desenvolver busca fazer uma relação do ponto de vista teórico de Pocock quando este trata da “Mobilidade da propriedade e o nascimento da sociologia do século XX”, e através desse esboço teórico procurar compreender o conceito de propriedade pregado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nesse sentido se faz necessário compreender e ressaltar que do ponto de vista teórico abordado na concepção de Pocock a luta pela terra/propriedade é como algo não exterior ao individuo, ou seja, o direito a terra é parte que está enraizada no cerne das concepções humanas. Nesse sentido, nosso objetivo aqui é apresentar de forma simplista à concepção do “Direito natural” de acesso a propriedade, tanto do ponto de vista teórico do autor em questão, como também do ponto de vista dos integrantes do MST.
Através da análise da obra de Pocock, é possível fazer uma relação com a ideologia do MST, o direito a propriedade se entende como uma extensão da personalidade do individuo, nesse sentido, ela é de direito, e esse direito sobre a perspectiva dos “Sem Terra” só é adquirido com luta de uma “massa” organizada, e essa busca pelo acesso a terra não é apenas contra o latifundiário, e sim contra o Estado que deve combater o latifúndio improdutivo através da implantação da Reforma Agrária. Nesse sentido, o acesso a terra dentro das perspectivas legais, significa o acesso à dignidade humana a autoridade e a virtude. Em suma, o trabalho buscará analisar através da teoria da propriedade de Pocock, o posicionamento ideológico do MST frente às mobilizações de luta pela terra.
Para apresentar essa analogia, vamos pensar no MST a partir de uma visão midiática, tentando assim apontar como o movimento procura se legitimar perante a sociedade para combater os estereótipos que a mídia hegemônica leva aos lares brasileiros, através de uma versão deturpada dos fatos. Assim sendo, no combate a essa ideologia dominante, o MST se sobrepõe e se defende, colocando em foco através de seu discurso político, que a terra é algo que traz dignidade e independência ao individuo, que a propriedade é algo que não representa um benefício econômico do ponto de vista capitalista do mundo moderno, e sim um direito que o individuo tem em possuir. Nessa concepção consideramos que do ponto de vista ideológico, o MST representa e defende uma aproximação, ou pelo menos o modelo semelhante adotado na sociedade Grega de acordo com os escritos de Pocock. Assim como na sociedade grega que “o cidadão possuía sua propriedade para poder ser autônomo, e a autonomia era necessária para que ele desenvolvesse a virtude ou a bondade”. (J.G.A.POCOCK, Pag. 141) No mundo moderno, a luta pela propriedade parte do mesmo pressuposto, assim dizem os Sem Terra: “Terra não se ganha, se conquista, (...) depois de quase nove meses de luta, conquistaram a terra onde agora vão trabalhar, alimentar seus filhos e sonhar com uma vida melhor”. (Jornal sem terra maio de 1986, Nº52 Ano V, pág. 4, grifo meu). Esse sonho com a vida melhor pode se analisado como um sonho pela dignidade humana, é um sonho em se sentir autônomo do ponto e vista da liberdade pública e civil, e além do mais, ter a tranquilidade de não se preocupar que no amanha pode ser novamente expulso do acampamento, por um grupo de pistoleiros.
Partiremos agora para uma análise de como a mídia retrata a questão da terra, como chave de análise vamos retratar duas edições de um semanário, a Revista Veja. Durante os anos de publicação da Veja encontram-se algumas referências em relação à questão agrária, no entanto, focamos nossa análise apenas em duas revistas da década de 80, a saber: a edição de número 876 de 19 de Julho de 1985 e a de número 928, que data de 18 de Junho de 1986, em que são destacadas em suas capas reportagens referentes à questão agrária. Na edição de 19 de junho de 1985, em que se apresenta como reportagem principal a questão agrária, há estampada na capa, a figura de um guardião da fazenda Camarões, no norte de Goiás (o famoso jagunço). Ao lado, a seguinte frase aparece em destaque: invasor que pisar aqui leva chumbo. Vem que tem. Além de tratar da violência no campo, a revista pretende discutir, ainda, o Plano Nacional de Reforma Agrária, proposta por Sarney8. A carta ao leitor é iniciada com os seguintes dizeres: o governo do presidente José Sarney está pagando um alto preço pela encenação feita em torno da reforma agrária (Veja 19/06/1985). A outra edição analisada da Veja que retrata a questão da terra no Brasil é a de número 928, de 18 de junho de 1986. Nesta edição, a revista faz apontamentos de como os fazendeiros estavam se unindo, a edição, que tem como título principal “A força da UDR (União Democrática Ruralista), como os fazendeiros enfrentam a reforma agrária do governo”, apresenta, estampado na capa, Ronaldo Caiado, então líder da UDR.
 O que tem de ponto de contato entre as edições da Veja e o que estamos analisando aqui? Para responder a esta questão vamos recorrer a um argumento de Pocock. A citação é longa, porém relevante.
 Propriedade traz poder: o poder dos senhores sobre os servos, o poder dos senhores sobre si próprios. Mas sempre que a fortuna provocar a existência de um número suficiente de senhores, estes poderão abandonar o domínio do poder e entrar no da autoridade. A autoridade não é distribuída pela propriedade, mas pelo reconhecimento por parte dos senhores livres da capacidade política uns dos outros. Ao instituí-la entre si eles penetram no mundo das relações políticas e começam a agir como as imagens de Deus que eles são. (J.G.A.POCOCK, Pag. 145).
Dito isso, a aproximação que é possível fazer entre a teoria da propriedade de Pocock e as atribuições de lutas do MST nessa situação é a seguinte: diante da luta empreendida pelos Sem Terra, o que a mídia procura mostrar são reportagens que giram em torno de quem possui propriedade, ou seja, quem não tem, não possui voz ativa nas decisões políticas, sendo assim, o que interessa é o que pensam os latifundiários, o ideal dos Sem Terra pouco se importa, não ter terra, é o mesmo que não possuir prestigio social. O que notamos é que quando a questão agrária é noticiada, o fazem de forma deturpada, sempre tratando os envolvidos como “baderneiros”, “vândalos”, “radicais” etc. Nas edições analisadas, por mais que a Veja trate da questão agrária, é evidente como o discurso se permeia em prol do interesse da elite latifundiária do país, como exemplo pode ser colocado em questionamento a escolha da revista em noticiar alguns eventos (UDR) e não dar a importância devida a outros (MST). Na segunda revista analisada, percebemos que, mesmo sendo a UDR de criação recente (na época da reportagem), por ser um órgão de representação burguesa, já se encontrava estampada na capa da revista como finalidade de reportagem principal. Por sua vez, o MST em nenhum momento é analisado nas duas edições trabalhadas, e quando aparece referência a ele, é de forma deturpada.
Tal análise nos permite pensar o quando a obtenção da propriedade de terra é um requisito básico para se possuir prestígio social, tanto na sociedade contemporânea como na sociedade antiga. A relação de poder trabalhada por Pocock na citação que acabamos de analisar pode ser associada ao modelo político que temos hoje, onde a bancada ruralista se apresenta como detentora das escolhas políticas no congresso nacional, ou seja, essa relação entre poder e propriedade analisada por Pocock, mesmo pertencendo a um período que em suas origens políticas e sociais apresentam diferentes perspectivas das estruturas de hoje, não deixa de apresentar também as suas permanências. Quando Pocock se refere à transformação do poder em autoridade ele se remete a preceitos semelhantes ao de que percebemos no Brasil de hoje, um país autoritário e que à questão agrária é algo ainda de lutas diversas. No Brasil da década de 80 do século passado, o poder dos latifundiários se transformou em autoridade na medida em que os trabalhadores rurais sem terra estavam se mobilizando pela busca do acesso a propriedade, daí surgi no país um grupo de pessoas que se organizam para defender o interesse dos proprietários de terra, a UDR.[1]
Para pensar a luta pela terra no Brasil se faz necessário compreender que ela não começou apenas com o surgimento dos movimentos sociais, como o MST de nossos dias. Ela percorre nossa História e está presente em vários períodos, e essa luta pelo acesso a terra não tem sua gênese apenas no Brasil, e sim a uma história da terra que precede o nosso “descobrimento”. Em se tratando de uma concepção nacional, já no descobrimento do Brasil essas lutas ganham visibilidade, no entanto, são temas raramente abordados no discurso contemporâneo. Os indígenas lutaram pela preservação de suas áreas diante da ação dos portugueses, pois, desde a colonização, os posseiros já buscavam terras para plantar. Outros exemplos importantes podem ser citados: as lutas dos quilombos; a busca pela conquista de terras por trabalhadores na cafeicultura no período do ciclo do café; a chamada “marcha para o oeste”[2] no governo getulista; as organizações de lavradores dos anos 1950/1960, em associações civis em suas diversas e criativas formas de resistências; a emergências das Ligas Camponesas[3] etc. Assim sendo, a História da luta pela terra no Brasil é desde de nossas origens coloniais um
(...) Processo de formação de nosso País, a luta de resistência começou com a chegada do colonizador europeu, há 500 anos, desde quando os povos indígenas resistem ao genocídio histórico. Começaram, então, as lutas contra o cativeiro, contra a exploração e, por conseguinte, contra o cativeiro da terra, contra a expropriação, contra a expulsão e contra a exclusão, que marcam a história dos trabalhadores desde a luta dos escravos, da luta dos imigrantes, da formação das lutas camponesas (FERNANDES, 2000, p.25).
Assim, nessa conjuntura, compreende-se que a formação do MST na década de 1980 foi apenas mais um processo de muitos que fazem parte da História pelo direito a propriedade. Compreende-se, a partir dessa perspectiva, que só existe o MST hoje porque antes dele a sociedade brasileira já tinha se organizado por justiça social e contra a dominação burguesa. E não pensar apenas o MST isolado do cenário mundial e histórico, mas tentar analisar sua luta como uma sequência até mesmo de períodos como o retratado por Pocock. Sabe-se bem que somos herdeiros das lutas históricas dos povos ameríndios, dos negros, dos brancos, dos estrangeiros, dos movimentos camponeses como a Liga Camponesa de resistência. Somos fruto de muitas reflexões. Somos fruto da teorização de muitas experiências de luta que nos antecederam e só assim, buscando compreender nossos antecedentes históricos, seremos capazes de entender as razões de luta pela propriedade hoje no Brasil que tem como maior representante social de luta por esse direito o MST.
É consideravelmente importante ressaltar ainda a importância da propriedade enquanto formação de uma economia para o/um país. Para confirmar essa tese vamos recorrer novamente ao MST. O MST ao longo dos anos conquistou um espaço importante no cenário nacional, favorecendo, com isso, a implantação de vários assentamentos, que desempenharam e desempenham um papel fundamental para a economia do país. Assentamentos rurais não devem ser confundidos apenas como propriedades rurais.
Assentamentos rurais aqui são entendidos como a ocupação e uso de terras para fins agrícolas, agropecuários e agroextrativistas em que um grupo de trabalhadores sem terra ou com pouca terra obteve a posse usufruto e/ ou propriedade sob a forma de lotes individuais e, em alguns casos, de áreas de uso e propriedades comuns, sendo o patrimônio fundiário envolvido resultante de processo de aquisição, desapropriação ou arrecadação pelo poder público e associado, de maneira explícita, pelos trabalhadores e/ou pelos agentes públicos, a processo de reforma agrária (MEDEIROS & LEITE. 2009, p.161).
A concentração de terras no Brasil tem suas origens no descobrimento. A luta pelo acesso a terra vem seguindo a nossa história, deixando marcas significantes na condução de um país que apresenta um território tão enorme e com tanta terra improfícua, que se torna necessário lutar por novos meios para a sua obtenção. E este é o papel que o MST vem desenvolvendo ao longo dos anos. Os assentamentos rurais, por sua vez, representam hoje na história do Brasil uma vitória ainda em fase inicial. Mas para chegar ao que temos hoje em assentamentos rurais foram preciso muitas lutas e conflitos. Não estamos vivendo o auge da conquista de acesso à propriedade de terra, mas pelo pouco que esta bandeira representa, avançamos  razoavelmente, se pensarmos um Brasil do século XVIII, em que a concentração de terras era ainda maior.
O acesso a terra é importante, mas em um país onde as disparidades econômicas são enormes, não adianta ser assentado e não receber condições de trabalhar a terra. Tal condição socioeconômica leva os trabalhadores rurais a venderem seus lotes para pequenos empresários, descaracterizando toda a estrutura da região e transformando-as em chácaras de recreio de grandes empresários. Incorporar terras que se encontram ociosas ao processo produtivo da agricultura e transformá-las em assentamentos rurais pode causar mudanças significativas em um país. Entre elas, podemos citar a criação direta e indiretamente de empregos, aumento de oferta de alimentos e matérias-primas para o mercado interno, obtenção de divisas, aumento da arrecadação tributária, melhorias na qualidade de vida, redução dos problemas urbanos decorrentes do crescimento das cidades e muitos outros.
            Toda essa análise da questão da propriedade de Pocock e da luta dos Sem Terra de hoje nos leva a concluir que o acesso terra nos dias de hoje tem um valor semelhante ao o que Pocock trabalha. O acesso à propriedade é um bem fundamental para uma vida digna assim também para o poder que o individuo tem frente à política e ainda frente às outras pessoas etc., nesse sentido, assim como na teoria de Pocock , a propriedade pode ser compreendida como algo que nos da autoridade e virtude. A busca pelo acesso a propriedade nos dias atuais passa obrigatoriamente, pela luta do fim do latifúndio. Acabar com o latifúndio não significa apenas fazer uma melhor distribuição das terras ou poder aumentar a produção de alimentos. Mas significa, sobretudo, criar condições para que a nossa sociedade avance numa democracia firme, segura; criar condições para que as pessoas possam exercer seus direitos de cidadãos, e ter o melhor de todos os benefícios que o individuo possa ter: autonomia e liberdade.

Bibliografia
A força da UDR, como os fazendeiros enfrentam a Reforma Agrária do Governo Revista VEJA, edição nº928. São Paulo: Editora Abril, 1986.
FERNANDES, Bernardo Mançano.  MST: Formação e Territorialização.  2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
__________. A Formação do MST no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
Invasor que pisar aqui leva chumbo. Vem que tem, Revista VEJA, edição nº876. São Paulo: Editora Abril, 1985.
Jornal Sem Terra. Boletim informativo da campanha de solidariedade aos agricultores sem-terra, Nº I, Maio de 1981.
_____________. Boletim informativo da campanha de solidariedade aos agricultores sem-terra, Nº 52, Ano V, Maio de 1986.
__________. A Reforma Agrária dos Trabalhadores, Nº 44, Junho de 1985.
__________. Caminhada no Sul, com força e com fé, Nº 54, Julho de 1986.
MEDEIROS, Leonildes servolo de. LEITE, Sergio (org.). A Formação Dos Assentamentos Rurais No Brasil: Processos sociais e políticas públicas. 2º Ed. Porto Alegre: editora da UFRGS, 2009.
___________. Assentamentos Rurais: Mudança Social e Dinâmica Regional. Rio de Janeiro: MAUAD, 2004.
POCOCK. J. G. A. “Modalidades do Tempo Político e do Tempo Histórico na Inglaterra do início do século XVIII” e “A mobilidade da propriedade e o nascimento da sociologia no século XVIII”. In.  Linguagens do Ideário Político. São Paulo: EDUSP, 2003.

Notas



[1] A União Democrática Ruralista (UDR) é uma entidade de classe que se destina a reunir ruralistas e tem como princípio fundamental a preservação do direito de propriedade e a manutenção da ordem e respeito às leis do País. O atual presidente da entidade é o agropecuarista, Luiz Antonio Nabhan Garcia, que preside as UDR's de São Paulo e a nacional em Brasília-DF. A entidade teve sua primeira sede regional fundada em 1985, na cidade de Presidente Prudente - SP, e posteriormente no ano 1986, na cidade de Goiânia - GO, em seguida foi fundada a primeira UDR - Nacional, com sede em Brasília - DF. Os proprietários rurais sentiram a necessidade de se mobilizarem para conscientizar o Congresso Nacional a criar uma Legislação que assegurasse os direitos de propriedade. Na época, uma ala política de esquerda radical queria acabar com esse direito com objetivo explícito de se implantar um sistema comunista no Brasil. A reação dos ruralistas foi imediata, decidiram então fundar a União Democrática Ruralista - UDR. Foi a maior mobilização do setor já visto neste país. Com isso, conseguiu-se colocar na Constituição de 1988 a Lei que preserva os direitos de propriedade rural em terras produtivas.De 1994 a 1996 a UDR ficou desativada devido a desmobilização da classe, que sentiu-se mais segura após as conquistas na Constituinte e o afastamento dos riscos sobre o direito de propriedade. No final de 1996 a entidade foi reativada em Presidente Prudente-SP, região conhecida também por Pontal do Paranapanema. Atualmente, a União Democrática Ruralista - Nacional, também foi reativada e tem sua sede em Brasília-DF. Retirado de http://www.udr.org.br/historico.htm, acesso em 13/02/2014.
[2] A marcha para o Oeste foi uma política de governo de Getúlio Vargas, na intenção de povoar a região centro-oeste brasileira, devido ao fato de ali existirem muitas terras ociosas. Essa medida visava, ainda, diminuir as pressões existentes no centro-sul do país, levando os moradores dessa região para regiões que produzissem matérias primas e gêneros alimentícios para ajudar a preço baixo na implantação da industrialização na região Sudeste.

[3] As Ligas Camponesas foram as organizações que mais ficaram identificadas com as mobilizações no campo ocorridas anteriormente ao golpe de 1964. A primeira delas foi criada em 1955, no Engenho Galiléia, em Pernambuco. Deste pólo inicial, tendo à frente o advogado e deputado Francisco Julião, elas rapidamente se expandiram por vários municípios pernambucanos, chegando mesmo a estabelecer núcleos em outros estados do Nordeste e a alcançar projeção nacional no início da década de 1960. Retirado de: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/glossario/ligas_camponesas, acesso em 13/02/2014.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Reflexão apresentada por Braudel sobre o tempo no texto a longa duração


Braudel apresenta uma crítica ao modelo histórico tradicional que tem como base apenas a história do tempo breve, ao evento em si mesmo, o autor mostra certa preocupação com a curta duração, ao evento em si mesmo, e apresenta a ideia onde a ciência histórica deve tomar como base o tempo longo , na medida que “ o historiador dispõe seguramente de um tempo novo, elevado á altura de uma explicação onde a história pode tentar inscrever-se, dividindo-se de acordo com referências inéditas, segundo essas curvas e sua própria respiração”(Pág.48) nunca o acontecimento em si, o acontecimento de curta duração, pois este não passa de aparência que pode ser a mais enganadora das durações, aqui percebe-se a ideia de uma “nova historia.” Nesse sentido o autor apresenta novas formas na narrativa histórica, não apenas a do tempo curto, mas com uma duração de tempo maior, sejam meses, anos e até séculos.
Braudel faz uma crítica à história de curta duração, porém diz que o tempo curto é fundamental para consolidar uma história de longa duração, sendo que a ruptura com a história ocorrencial não foi definitivamente uma ruptura com o tempo curto, e sim a apresentação de novas formas de se relacionar com o tempo.
 O tempo curto, ou seja, o evento é a primeira forma de concepção histórica, no entanto os fatos miúdos não apresentam uma realidade total dos acontecimentos, mas é a base para a reflexão científica.
O tempo para Braudel é a construção da história para o historiador, como deixa claro que “para o historiador, tudo começa, tudo acaba pelo tempo, um tempo matemático e demiúrgico, do qual seria fácil sorrir, tempo como que exterior aos homens, “exógeno”, diriam os economistas, que os impele, os constrange, arrebata seus tempos particulares de cores diversas: sim, o tempo imperioso do mundo. (Pág. 72). Nesse sentido o historiador se preocupa com as durações, onde à passagem do tempo curto ao longo, sendo o tempo a principal ferramenta utilizada por ele, mas esse tempo se difere do tempo dos sociólogos na medida em que estes podem “...à vontade cortar, fechar, recolocar em movimento.”( Pág. 73).
A preocupação do historiador é o entrecruzamento dos ciclos, dos acontecimentos da vida material e das diversas formas de ruptura de um tempo ao outro, já os sociólogos escapam a essa preocupação, pois concentram seus estudos no presente, ou seja, entendendo sempre como um momento atual ou em construções estruturais intemporais de compreensão.
De certa maneira pode se dizer que o autor durante toda a sua escrita apresenta novas formas de se pensar o tempo através de novas perspectivas de avaliações dos fatos através da história de longa duração, analisando os fatos mais bem elaboradas principalmente a partir dos documentos, sendo assim,  critica a história tradicional, que tira dos eventos de curta duração tudo para  explicar uma sociedade, portanto enganosamente pensam que um evento sendo mais próximo pode ser mais compreendido por se apresentar características semelhantes ao presente. 
POPULISMO
                                                                                   Miguel Pereira dos Santos

Partindo da idéia de que o populismo pode ser classicamente abordado em três grandes formas: como um fenômeno de origem social, como uma forma de governo ou como uma ideologia específica como diz Worsley em seu livro[1], “o conceito de populismo”, de 1973, diante disso, este trabalho tem como objetivo abordar as diferentes linhas de pensamento histórico sobre o populismo, bem como, dos diferentes pontos de vista em relação à idéia de populismo no Brasil a partir da década de 50.
Para Weffort o populismo surge a partir da uma falta de representação social, e de uma massificação de amplas camadas da sociedade que desvinculada de seu quadro social, e ainda quando não se tem uma representatividade da classe dirigente, e por final, quando à presença de um líder dotado de carisma. Diante da situação, o individuo tende a buscar um apoio neste líder carismático e popular para responder a suas expectativas. Nesse sentido o populismo surge da necessidade do povo, mas muitas vezes estes são usados pelos políticos, sendo manipulados pelos líderes que possuindo um poder de persuasão, usam da fragilidade da sociedade para chegarem ao poder, ainda assim acrescenta Weffort, “que o populismo nada mais seria que uma espécie de oportunismo essencial de alguns líderes, uma desmedida ambição de poder associada a uma quase ilimitada capacidade de manipulação de massas.” [2]. Por esse motivo o populismo tem tomado o sentido negativo para a história, sendo que os políticos populistas muitas vezes são denominados como enganadores do povo, por não cumprirem as promessas. Mas ainda assim deixa bem claro Jorge Ferreira que no início do século XX, ser considerado populista no Brasil era um elogio.
É impossível falar de populismo no Brasil sem citar Getúlio Vargas, que por sua vez, com sua política populista “manipulou” as massas com uma política centralizadora, em que, considerado “pai dos pobres”, controlava a sociedade explorando no máximo o sentimentalismo da população, nas quais eram aliciadas pela propaganda oficial do governo, no entanto, Vargas tinha uma política que atendia boa parte da população, buscando o caminho para a modernização da sociedade brasileira ele:

Com habilidade, buscou apoio junto à burguesia industrial e ao operariado urbano. E, ainda, de alguns grupos oligárquicos rurais. Estimulando a indústria, gerando empregos e protegendo os trabalhadores, teve por objetivo integrar no sistema produtivo e elevar a situação social de importantes contingentes populacionais historicamente marginalizados. Autoritariamente, mas com extrema habilidade, impôs, administrou e arbitrou um pacto social entre a burguesia nacional e o operariado urbano.[3]

Nesse sentido entra em questão se na verdade o populismo era uma política de manipulação de massas como diz Weffort, sendo que, o governo de alguma forma atendia aos anseios da sociedade. Na verdade manipulava de certas formas, mas levando em consideração o quadro político e econômico que se passava o Brasil na época, era evidente que a população, de alguma maneira conformava-se com a realidade, sendo que, na sua grande maioria, vindas do campo para a cidade, buscavam proteção e apoio, desejavam apenas um protetor, “o pai dos pobres”, e isto eles encontraram em Vargas, mas ainda Weffort deixa claro que “o populismo foi, sem duvidas, manipulação de massas, mas a manipulação nunca foi absoluta”.[4]
Já na outra corrente historiográfica, Ângela de Castro Gomes, defende que o populismo não era apenas sinônimo de manipulação das massas, “mas como possuidora de uma intrínseca ambiguidade, por ser tanto uma forma de controle do Estado sobre as massas quanto uma forma de atendimento de suas reais demandas”.[5] Sendo, uma política populista, porém não apenas como uma idéia de manipulação das massas, pois suas demandas eram atendidas, mas como uma política em que a população aqui manipulada não tinha, portanto habilidades e influências necessárias para uma melhor reivindicação de seus direitos, mas cada lado lutava conforme suas habilidades, pois “significava reconhecer um diálogo entre atores com recursos de poder diferenciados, mas igualmente capazes não só de se apropriar das propostas político-ideológicas um do outro, como de relê-las”.[6] Aqui fica claro o motivo na qual leva Gomes a rejeitar a idéia de populismo, termo pela qual na grande maioria das vezes designam os trabalhadores como “inativos”, pois estes não têm uma interlocução com o Estado, fica evidente que os populistas na verdade faziam um jogo de poder que levavam em consideração as necessidades evidenciadas de cada período, de cada sociedade e consequentemente isso fazia que as massas se intensificassem em busca de seus direitos e não apenas a aceitarem todas as demandas impostas pelo Estado. Diante das análises feitas das diferentes correntes historiográficas acerca do populismo pode se dizer que este fenômeno tem sido importante para a compreensão dos estudos a respeito da formação do Brasil. Levando em consideração o que nos diz Ianni[7] em que os movimentos populismo precisam ser compreendidos levando em conta que;

As massas urbanas recém-vindas das zonas rurais sofreriam forte impacto do que os economistas denominam “efeito-demonstração” [...] A simples mudança do campo para a cidade, além da escolarização e a influência dos meios de comunicação de massa, provocam nas massas urbanas de formação recente a elevação dos seus níveis de aspiração social e econômica, ou a “revolução das expectativas”. Na medida em que se cria e muitas vezes se aprofunda o abismo entre as aspirações e as satisfações, em especial na esfera ocupacional, as pessoas passam a sentir o que alguns sociólogos chamam de “incongruência de status”.[8]

 Fica mais evidente aqui o jogo político implantado pelos populistas, portanto a população na verdade não apenas aceitavam tais políticas, mas levando em conta que esta sociedade estava mudando drasticamente seu quadro social de origem, mudando do campo para a cidade; possuindo um grau de alfabetização relativamente baixo; e recebendo uma influência dos meios de comunicação; todos estes fatores explicam a aceitação da população por certas práticas adotadas pelos governos populistas, paralelamente pode ainda entender este movimento como algo de importância fundamental para a formação da economia brasileira a partir da década de 30, principalmente a partir do governo de Vargas que deu inicio no Brasil como um populista que desenvolveu uma política econômica favorável para o crescimento da economia brasileira. Mas ainda no governo de Vargas encontramos um questionamento no que diz respeito às liberdades democráticas, a de fazer a seguinte pergunta: como um governo que por certo período governou o país em um regime de ditadura, conseguiu com sua façanha se tornar um “populista de carteirinha”? Será mesmo que este fenômeno é mesmo uma manipulação das massas como diz Weffort ou na verdade o termo pode ser substituído por trabalhismo como diz Ângela de Casto Gomes?  Essas são uma das perguntas difíceis de ser respondidas sem que sofra uma crítica por parte dos estudiosos do assunto como diz Gomes, por ser o tema de difícil compreensão e sempre aberto as críticas.


[1] WOSRLEY, P.1973. O conceito de populismo. In: TABAK, F. (org). Ideologias- populismo. Rio de Janeiro: Eldorado.
[2] WEFFORT, F. 1989. O populismo na política brasileira. 4º Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 62.

[3] TRINDADE, Sérgio Luiz Bezerra. O populismo no Brasil, Revista da FARN, Natal, v.5, n.1/2, p.111-130, jan./dez.2006, p. 117).
[4] Idem, Ibidem, p. 62
[5] FERREIRA, Jorge (Org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p.34.
[6] Idem, ibidem, p. 46-47.
[7] IANNI, Octavio. A formação do Estado populista na América Latina. 2º ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p.30.
[8] TRINDADE Sérgio Luiz Bezerra. O populismo no Brasil, Revista da FARN, Natal, v.5, n.1/2, p.111-130, jan./dez.2006, p. 127-128.